Você se percebe se julgando muito? Ou julgando as outras pessoas? Todos nós, sem exceção, julgamos (os outros, nós mesmos ou nossas experiências). O que muitos não sabem é que é possível praticar uma habilidade que nos leva em outra direção e nos permite ter uma postura menos julgadora. É sobre isso que falarei brevemente por aqui.
Uma forma de praticar uma postura menos julgadora é DESCREVER. Essa habilidade foi muito bem descrita por Marsha Linehan em 2018, no Manual de Treinamento de Habilidades em DBT – material que usei de referência para escrever esse texto e é uma das minhas habilidades preferidas!
Descrever nada mais é do que traduzir as experiências em palavras
Podemos descrever:
- Os fatos de um evento ou situação
- As consequências desse evento
- Nossos sentimentos em resposta a situação
É descrever aquilo que você observa, sem acrescentar que algo é bom ou ruim, maravilhoso ou péssimo, certou ou errado e assim por diante; é reconhecer e rotular cada ação como uma ação, cada sentimento apenas como um sentimento e cada pensamento apenas como pensamento.
Dessa forma, poderia reconhecer “Estou tento um pensamento de que não vou conseguir terminar esse texto“; ou ainda “Estou percebendo um sentimento de tristeza“; ou “Estou observando que você está mexendo no meu computador“.
Uma dica para praticar o descrever é imaginar que você está instruindo alguém a como desenhar algo ou relatando um evento por ligação para alguém que não pode ver a situação acontecendo.
Se você ligar para uma amiga e dizer: “Amiga, você não vai acreditar, estou vendo algo absurdo!” e não falar mais nada, sua amiga não terá informações sobre o que está acontecendo e a conversa provavelmente não continuará (afinal, ela não saberá o que você está julgando como absurdo). Agora, se eu disser: “Amiga, você não vai acreditar, estou vendo uma pessoa batendo na outra no meio da rua“, essa conversa será mais fácil de prosseguir e sua amiga entenderá muito mais o que você está presenciando.
Do mesmo modo, você também pode praticar a descrição dizendo “Quando você faz X, eu sinto [ou penso] Y”, quando estamos falando de efetividade interpessoal. Por exemplo, ao invés de dizer “Você é uma péssima pessoa” poderíamos descrever “Quando você não me responde, eu me sinto frustrada“.
Postura menos julgadora significa que eu concordo ou aprovo as situações?!
Praticar uma postura menos julgadora não significa aprovar ou concordar com as situações que estamos descrevendo. Às vezes, podemos acreditar que ao julgar algo como bom ou ruim, estamos nos posicionando no sentido de aprovar/concordar ou desaprovar/ não concordar com algo. Por exemplo, dizer: “O que Maria fez foi ruim” poderia ser dito como forma de expressar que não concordo ou não aprovo o que ela fez. Todavia, eu poderia desaprovar e ainda assim ter uma postura não julgadora, dizendo: “Senti tristeza quando Maria se atrasou para nosso compromisso“.
Em outras palavras, ao fazer o exercício de descrever e ter uma postura menos julgadora não significa que você aprova a situação ou evento que estava julgando antes como ruim. Na verdade, como vimos, descrever pode ajudar a ser entendida e fica muito mais claro saber o que você aprova ou desaprova e como você se sente.
Então, vamos colocar a mão na massa e praticar o que venho falando sobre postura menos julgadora?! Afinal, só aprendemos um novo repertório se expondo e praticando.
Para praticar: coloque no cronômetro 5 minutos, selecione um objeto que esteja próximo a você para observar e descrever. Tente descrever o máximo possível, como cores, texturas, cheiros, temperatura, sons.
Exemplo: “Estou vendo uma caneca de cerâmica da cor roxa de 200ml; ela é fosca, lisa e tem uma marca de batom vermelho na beirada; está gelada e tem água dentro. Não há cheiro específico“.
O que não podemos descrever
Um aspecto importante que precisamos nos atentar quando falamos sobre observar e descrever é que existem algumas coisas que não podemos observar e, portanto, não são possíveis de serem descritas por nós. O que podemos fazer nesses casos é inferir ou fazer suposições.
Não podemos observar então:
- Os pensamentos dos outros
- As intenções das outras pessoas
- Os sentimentos ou as emoções dos outros
Exemplos de postura menos julgadora
Nos exemplos a seguir, trago a diferença de como seria uma suposição e como seria uma descrição de aspectos que não podemos observar. Perceba que a descrição está voltada para aspectos que eu posso observar, como os fatos, os meus próprios sentimentos e pensamentos.
Não podemos observar então:
1. Os pensamentos dos outros
Suposição: “Você me acha chata”
Descrição: “Eu estou tendo o pensamento de que você me acha chata” – veja que aqui identificamos o nosso pensamento e não o da outra pessoa (que não temos acesso).
2. As intenções das outras pessoas
Suposição: “Você está querendo me irritar”
Descrição: “Quando você demora para me responder, eu me sinto irritada” – aqui identificamos o nosso sentimento e não a intenção da outra pessoa (que não temos acesso).
3. Os sentimentos ou as emoções dos outros
Suposição: “Você está com raiva”
Descrição: “Quando você não me responde, eu penso que você pode estar com raiva, como você está se sentindo?” – aqui descrevemos uma ação da pessoa e um pensamento que temos diante da situação. Ao invés de inferir a emoção do outro, podemos perguntar para verificar como a outra pessoa se sente.
Para ser mais fácil perceber a diferença entre descrever o que de fato podemos observar e o fazer uma suposição, é só recordar das situações que outras pessoas inferiram incorretamente o que você estava pensando ou sentindo. Por exemplo, alguém disse que você estava triste, quando na verdade, você estava com raiva. Ou ainda quando você inferiu algo a respeito de alguém de forma incorreta. Por exemplo, você pensou que alguém estava te achando chato, mas na verdade, quando você perguntou, a pessoa estava achando que você estava com vergonha.
Não é sobre ser bom ou ruim
Válido dizer que inferir e fazer suposições não é algo bom ou ruim em si. Apenas temos que ter cuidado para não confundir uma suposição com a realidade observável por nós. Acreditar que nossas suposições são fatos, pode levar a algumas confusões.
Lembro de uma situação em que conheci uma pessoa e fiz a suposição de que ela não tinha gostado de mim, porque não estava falando muito comigo. Todavia, passado um tempo de convivência, conversando com essa pessoa, descobri que, na verdade, ela tinha gostado de mim, mas não se sentia confortável de puxar muito assunto num primeiro momento. Se eu tivesse acreditado na minha suposição poderia ter me afastado dessa pessoa e deixado de desenvolver um bom vínculo.
Outros pontos importantes
Julgar nossos sentimentos como errados, inadequados, ruins, horríveis, etc., pode ser algo que fazemos e que, às vezes, pode trazer um sofrimento a mais. Em especial, se tentamos eliminar a todo custo o que estamos julgando como ruim. Por exemplo, se eu penso que é ruim sentir tristeza após a morte de alguém e, ao invés de viver o luto, começo a tentar eliminar a tristeza, pode ser que um novo problema apareça depois de um tempo.
Outros pontos importantes quando falamos desse assunto é a aceitação e entrar em contato com sentimentos que podem ser desconfortáveis. Mas tudo isso é tema para outra conversa.
Se tiver dificuldade em fazer os exercícios propostos nesse texto, está tudo bem! Vamos aproveitar e nos acolher, afinal é algo que não estamos muito acostumados e exige prática. E, se tiver necessidade, procure ajude profissional. Deixe aqui nos comentários, já tinha visto essa forma de lidar com julgamentos?
Referência: Treinamento de habilidades em DBT: manual de terapia comportamental dialética para o paciente, Marsha M. Linehan (2018)