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Você é a tapeçaria ou o observador? Uma perspectiva da ACT

Neste texto, vamos explorar o conto A Caçada, de Lygia Fagundes Telles, sob a perspectiva da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) e entender como os conceitos de self e desfusão podem nos ajudar a não sermos engolidos pelas narrativas que criamos sobre nós mesmos.

A história do Caçador

No conto A Caçada somos apresentados a um personagem intrigante: o Caçador. Ele descobre uma antiga tapeçaria que retrata uma cena de caça e, pouco a pouco, se sente cada vez mais fascinado por ela. Até que, de maneira inquietante, é absorvido pela imagem — desaparecendo completamente.

O que isso tem a ver com nossa vida? Mais do que parece.

Quando nos perdemos na nossa própria tapeçaria

Quantas vezes você já sentiu que estava preso em uma história sobre si mesmo? Talvez um pensamento de que você sempre falha, que nunca será bom o suficiente ou que seu passado define seu futuro. Essas histórias, quando aceitas sem questionamento, podem ser tão envolventes quanto a tapeçaria do conto — nos engolindo, nos limitando, nos impedindo de agir.

Na Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), o conceito de fusão refere-se ao estado em que uma pessoa está tão identificada com seus pensamentos que os enxerga como verdades absolutas, regras ou comandos que precisam ser seguidos. Ou ainda, pensamentos sobre o passado ou o futuro podem parecer algo que está acontecendo aqui e agora, ou podem parecer muito importantes e exigir toda a nossa atenção.

Imagine que seus pensamentos são como óculos que você usa o tempo todo, sem perceber que pode tirá-los ou mudá-los. Quando estamos fusionados com nossos pensamentos, não questionamos se eles são úteis, realistas ou compatíveis com nossos valores — simplesmente os tomamos como verdade.

Por exemplo:

Pensamento: “Eu sou um fracasso.”

  • Fusão: A pessoa acredita totalmente nesse pensamento, sente-se desmotivada e evita desafios.
  • Desfusão: A pessoa reconhece que é apenas um pensamento, não um fato absoluto, e escolhe agir de acordo com seus valores.

A ACT propõe exercícios de desfusão para ajudar a criar um distanciamento saudável dos pensamentos, como dar um passo para trás, permitindo que a pessoa tenha mais flexibilidade psicológica e aja de forma mais alinhada com o que realmente importa para ela.

Em vez de ficarmos presos e emaranhados nos nossos pensamentos ou sermos dominados por eles, podemos deixá-los ir e vir como se fossem apenas carros passando na rua. Vemos os pensamentos pelo que são: nada mais nem menos do que palavras ou imagens.

O conceito de self na ACT

Além dessa conversa sobre fusão e desfusão, também podemos fazer um paralelo entre o conto e o conceito de self na ACT. Essa abordagem considera diferentes maneiras de nos relacionarmos com quem somos:

1. Self Conceitual (Self-Como-Conteúdo)

De uma forma bem resumida, seria quando nos identificamos rigidamente com pensamentos, rótulos e histórias sobre nós mesmos.

Refere-se a todos os pensamentos, ideias, imagens, julgamentos e memórias que formam o nosso autoconceito, a nossa autodescrição. É a história complexa e multifacetada que contamos sobre quem somos, incluindo fatos objetivos (como nome, idade, etc.) e avaliações sobre os nossos papéis, relacionamentos, forças, fraquezas, gostos, desgostos, esperanças e sonhos.

Imagine uma pessoa chamada Ana. Ela tem 30 anos, trabalha como engenheira e se vê como alguém que sempre foi apaixonada por matemática desde a infância. Ana também se define como uma pessoa introvertida, que prefere atividades solitárias como ler e pintar. Ela se considera uma pessoa determinada, mas tende a se criticar por não ser sociável o suficiente.

Ana pensa sobre si mesma da seguinte forma:
“Eu sou engenheira, sou introvertida, não sou boa com pessoas, sempre fui assim. Gosto de ficar sozinha, é quem eu sou. Não adianta tentar mudar.”

Neste exemplo, o autoconceito de Ana inclui aspectos objetivos, como sua profissão e idade, além de avaliações subjetivas sobre sua personalidade, preferências e autopercepção. Ela está identificada com essa história. Esses pensamentos não são vistos como pensamentos — são tomados como verdades absolutas.

Se Ana começar a se fundir demais com essa história que ela mesma criou sobre si mesma, isso pode limitar sua capacidade de se adaptar a novas situações ou de explorar novos aspectos de sua identidade, o que eventualmente pode causar desconforto emocional ou sofrimento.

Esse tipo de identificação rígida com o autoconceito é o que o conceito de Self Conceitual busca explicar, enfatizando como isso pode afetar nosso bem-estar psicológico quando nos tornamos excessivamente ligados às histórias que contamos sobre nós mesmos.

Se nos fundirmos com esta história, se começarmos a pensar que somos a história, isso pode levar a problemas e sofrimentos.

2. Self Observador (Self-Como-Contexto)

A parte de nós que pode observar nossos pensamentos e experiências sem se fundir a eles.

Refere-se ao processo contínuo de notar pensamentos, sentimentos, a respiração e outras experiências, como eventos passageiros, sem sermos dominados por eles, estando em contato com o momento presente.

É como a perspectiva de alguém que observa a tapeçaria, em vez de se perder dentro dela.

Se voltarmos ao exemplo da Ana. Imagine que Ana está em uma sessão de psicoterapia, praticando atenção plena (mindfulness). Durante um exercício, ela nota o pensamento:
“Eu não sou boa com pessoas.”

Mas agora ela o observa de outro lugar. Em vez de se fundir com esse pensamento, ela o nota com curiosidade e uma certa distância. Algo como:
“Estou tendo o pensamento de que não sou boa com pessoas.”

Ela percebe esse pensamento surgindo, reconhece que ele já apareceu antes, e observa como ele vai embora, como uma nuvem no céu. Ao mesmo tempo, ela nota sua respiração, o som ao redor, e o contato dos pés no chão.

Nesse momento, Ana não está fundida com a história. Ela está no papel de quem observa a tapeçaria — e não presa nos fios dela.

3. Self Como Processo

Nossa capacidade de entrar em contato com o presente e perceber que somos mais do que qualquer pensamento ou história.

É o “Eu” que nota o que quer que esteja a ser notado, é o espaço a partir de onde a observação acontece. Este aspecto de nós é contínuo e estável, mesmo que os nossos pensamentos, sentimentos e corpo mudem.

É como um lugar seguro dentro de nós que está sempre presente, de onde podemos observar o que acontece na mente ou no corpo sem sermos prejudicados. A ACT busca ajudar as pessoas a se conectarem com essa perspectiva de self mais ampla e flexível.

Vamos voltar para o caso da Ana. Durante o processo terapêutico, Ana começa a perceber que nem sempre se sente da mesma forma.

Num dia, ela pensa que é muito reservada e incapaz de se conectar com os outros.
No outro, ela se percebe rindo com colegas no trabalho, trocando ideias com leveza.
Num terceiro dia, ela se vê ansiosa antes de um encontro social, mas ainda assim escolhe ir.

Com o tempo, ela começa a notar que, mesmo com essas mudanças — de sentimentos, pensamentos, comportamentos — há algo nela que permanece presente:
“Existe um espaço em mim que percebe tudo isso acontecendo. E esse espaço não julga. Ele só está ali, notando.”

Ela começa a acessar essa perspectiva mais ampla. Um “eu” que não é definido por um pensamento específico, nem por um rótulo, nem por um humor do dia.

É como se Ana dissesse:
“Eu não sou só a engenheira. Nem só a mulher introvertida. Nem só a que tem medo de rejeição. Eu sou algo maior do que tudo isso. Eu sou esse espaço que nota tudo isso acontecer.”

Retomando, muitas vezes, ficamos fusionados ao self conceitual, formado por todas as histórias que contamos sobre nós mesmos — e nem sempre essas histórias são úteis.

O problema é que, quando nos identificamos rigidamente com esses pensamentos, perdemos de vista algo maior: nossa capacidade de observá-los.

No self como contexto, podemos notar nossos pensamentos sem sermos dominados por eles. Como um observador que enxerga a tapeçaria, sem ser sugado por ela.

Podemos dizer que o Caçador simboliza alguém que não consegue acessar o self como contexto. Ele fica preso em uma experiência interna rígida, sem a capacidade de se desapegar daquilo que o consome. A ACT nos ensina que, quando ficamos fusionados com certas histórias sobre nós mesmos, podemos perder a capacidade de agir com flexibilidade e liberdade — exatamente o que acontece com ele ao ser sugado pela tapeçaria.

Como sair da tapeçaria?

Se você sente que está preso em uma história sobre si mesmo, aqui estão algumas perguntas para ganhar perspectiva:

  • Você sente que já se prendeu a uma história sobre si mesmo de maneira semelhante ao Caçador?
  • Como seria observar essa história em vez de se perder dentro dela?
  • O que mudaria se você pudesse acessar uma perspectiva mais ampla sobre quem você é?

E, como alternativa, algumas estratégias:

1️. Dê um nome para a história.

Em vez de dizer “Sou uma pessoa que sempre falha”, tente “Minha mente está me contando a história da pessoa que sempre falha. ” Isso cria um pequeno distanciamento, permitindo que você escolha se quer ou não acreditar nisso.

2️. Aja de acordo com seus valores, não com suas histórias.

Mesmo que seus pensamentos digam que você não é capaz, pergunte-se: “Que ação eu tomaria se não acreditasse nisso? ” E faça esse pequeno movimento.

3️. Pratique a observação dos seus pensamentos.

Imagine que seus pensamentos são nuvens no céu. Eles aparecem e desaparecem, mas você é o céu — não as nuvens. Quanto mais você pratica essa perspectiva, menos refém fica de narrativas rígidas sobre si mesmo.

Você escolhe onde estar

O Caçador desapareceu porque se perdeu na tapeçaria. Mas você tem uma escolha.

Você pode notar os pensamentos, perceber as histórias e decidir agir de maneira alinhada com quem quer ser. Se precisar de ajuda, entre em contato!

Se esse texto fez sentido para você, compartilhe com alguém que pode se beneficiar dessa reflexão. E me conta aqui nos comentários: você já sentiu que estava preso em na sua própria tapeçaria?

Referências: 

Harris, R. (2009). ACT made simple: An easy-to-read primer on acceptance and commitment therapy. New Harbinger Publications.

Hayes, S. C., Strosahl, K. D., & Wilson, K. G. (1999). Acceptance and commitment therapy: An experiential approach to behavior change. The Guilford Press.

Luoma, J. B., Hayes, S. C., & Walser, R. D. (2012). Learning ACT: An acceptance & commitment therapy skills training manual for therapists (2ª ed.). Context Press/New Harbinger Publications.

Telles, L. F. (1993). Pomba enamorada e outros contos (2ª ed.). São Paulo: Editora Siciliano.

Mestrado acadêmico: será que é para mim?

No texto de hoje, quero compartilhar um pouco sobre minha experiência na pós-graduação e destacar alguns pontos importantes para quem está considerando fazer um mestrado acadêmico.

Fique à vontade para compartilhar nos comentários outras perspectivas e experiências diferentes da minha!

Minha Trajetória

Sou formada pela UNESP de Bauru/SP e, logo após a graduação, ingressei no programa de pós-graduação da mesma universidade. Na época, estava em psicoterapia e lembro que a decisão de fazer o mestrado foi simultaneamente fácil e difícil.

Não pretendo esgotar todos os pontos a serem considerados, mas espero que este texto sirva como um ponto de partida para uma reflexão mais realista sobre essa experiência.

O que você pretende para o seu futuro?

Antes de qualquer coisa, é fundamental refletir sobre seus objetivos profissionais. O que você deseja para sua carreira? Pode parecer uma etapa óbvia, mas muitas vezes a ignoramos ou achamos desnecessária.

Uma atividade simples que pode ajudar é a “linha do tempo”:

  1. Pegue uma folha de papel e escreva seus objetivos a curto, médio e longo prazo (sobre como estabelecer metas realistas, clique aqui).
  2. Reflita sobre quais caminhos ou passos podem te levar até eles – coloque o máximo de detalhes que conseguir.
  3. Analise se o mestrado é realmente um passo necessário ou se existem outras possibilidades.

Pode parecer bobo, mas essa visualização ajuda a esclarecer prioridades e organizar melhor suas decisões.

Como o mestrado pode contribuir com os seus planos?

Se o mestrado fizer sentido para seu planejamento, é importante entender como ele pode agregar. Algumas motivações comuns são:

1. Aprimorar habilidades de pesquisa, caso você acredite que essa competência será essencial para seu futuro.

2. Seguir a carreira acadêmica, tornando-se professor(a) universitário(a) e/ou pesquisador(a).

3. Aprofundar conhecimentos em um tema de interesse, especialmente se ele tiver relação com sua atuação profissional.

O mestrado pode ser enriquecedor, mas é um compromisso grande. Então, vale avaliar se a experiência vai trazer os retornos esperados para seu futuro profissional.

Você já tem uma atividade profissional?

Se já trabalha (ou pretende trabalhar durante o mestrado), é essencial considerar:

  • Você terá tempo para as atividades do mestrado durante o dia? (Não vale contar apenas com madrugadas e finais de semana!)
  • É possível equilibrar estudo, trabalho e vida social ou outras atividades importantes sem sobrecarga extrema?

Durante meu mestrado, vi muitos colegas enfrentando sérios problemas de saúde mental e física pela falta de equilíbrio. Infelizmente, como as bolsas de pesquisa não são acessíveis a todos, além dos valores serem muitas vezes abaixo do que é necessário, muita gente precisa trabalhar para se manter.

Se você não puder dedicar parte do seu dia à pesquisa, avalie se o mestrado é viável nesse momento ou se é possível ajustar sua rotina para que ele caiba de forma saudável.

Se você não pretende trabalhar durante o mestrado, como vai se manter financeiramente?

Se você não pretende trabalhar durante o mestrado, é essencial planejar sua sustentação financeira:

  • Você contará com ajuda da família?
  • Conseguirá uma bolsa de pesquisa? (Lembre-se de que pode demorar para sair!)
  • Tem reservas financeiras para emergências?

Fazer um planejamento financeiro antes de iniciar o mestrado pode evitar muitos problemas e frustrações ao longo do caminho.

Pesquise sobre a universidade e o programa

Antes de prestar o processo seletivo, pesquise bem sobre:

  • Onde fica o campus e quais são as estruturas disponíveis.
  • As linhas de pesquisa do programa e como elas se encaixam nos seus interesses.
  • A grade curricular, os créditos extras e as oportunidades oferecidas pelo programa.

Quanto mais informações você tiver antes de ingressar, melhor será sua adaptação.

Escolha bem seu(sua) orientador(a)

Um dos aspectos mais importantes do mestrado é a orientação. Para evitar problemas futuros, recomendo:

  • Ler os trabalhos do(a) professor(a) para entender se os interesses de pesquisa são compatíveis com os seus – dê uma olhada no Lattes.
  • Conversar com alunos atuais e ex-alunos para entender como é a dinâmica da orientação.
  • Enviar um e-mail ao(à) possível orientador(a) para testar o tempo de resposta (isso será importante depois!).

Nem sempre você pesquisará o que gostaria

Outro ponto relevante é que, muitas vezes, o projeto enviado no processo seletivo não será exatamente o que você desenvolverá. Isso ocorre porque:

  • O orientador pode sugerir mudanças no enfoque da pesquisa.
  • As demandas do programa podem exigir adaptações.
  • As condições práticas de execução podem levar a ajustes.

O importante é estar aberto(a) a essas possibilidades e negociar para que o tema final ainda seja de seu interesse.

Fazer um mestrado pode ser uma experiência incrível para ampliar conhecimentos, desenvolver novas habilidades e construir networking. No entanto, é uma jornada que exige planejamento e reflexão realista sobre os desafios envolvidos.

Se você ainda está em dúvida, reflita sobre os pontos mencionados e converse com pessoas que já passaram por essa experiência. Caso queira um espaço para discutir mais sobre essa decisão, entre em contato! Será um prazer conversar.

Morar fora do país: desafios e experiências

Desafios e Experiências de Brasileiros no Exterior

Morar fora do Brasil pode ser uma experiência cheia de descobertas e desafios. Aqui, estou falando de quem escolheu voluntariamente sair do país, não de migração involuntária, como no caso de refugiados. Para muitos brasileiros, essa decisão envolve uma mistura de entusiasmo e dificuldades, inclusive emocionais. A novidade empolga, mas a adaptação pode ser bem mais complexa do que se imagina. Como psicóloga que atende pessoas que moram em diferentes países, vejo de perto os desafios dessa transição.

A experiência de migração, embora voluntária, é repleta de nuances. Sair do Brasil significa abrir mão de uma série de referências culturais e afetivas: o idioma, os costumes, a forma de se relacionar. Essa mudança pode gerar insegurança, ansiedade e até crises de identidade, dependendo de como cada pessoa lida com essas transformações. Tem momentos de adaptação e também períodos de incerteza emocional, que podem afetar diretamente o bem-estar.

Entre dois mundos: a busca por identidade e pertencimento

Mudar-se para o exterior pode dar a sensação de estar entre dois mundos: de um lado, o Brasil, com sua cultura, comida, idioma e laços sociais; do outro, o novo país, com costumes e regras que nem sempre fazem sentido de imediato. A sensação pode ser parecida com essa: uma busca de tentar encontrar o equilíbrio entre quem você era no Brasil e quem você está se tornando nesse novo contexto.

Assim, muita gente sente que precisa se redescobrir, tanto em termos de sua identidade quanto em termos de senso de pertencimento. Por exemplo, uma pessoa extrovertida e comunicativa no Brasil pode se ver mais retraída ao tentar se expressar em um novo idioma, com medo de errar. Isso pode gerar um sentimento de deslocamento, como se estivesse sempre no meio do caminho entre quem era e quem está se tornando. Neste processo, surgem questões sobre quem somos em um contexto diferente, o que valorizamos e como nos vemos no mundo.

É como se o processo de adaptação fosse dividido em duas fases: primeiro, o choque entre as expectativas e a realidade do novo país; depois, a construção de uma nova rotina e identidade. Essa transição pode ser delicada e exige paciência.

Desafios emocionais: saudade e solidão

Estar longe da família e dos amigos pode ser solitário. Saudade da comida, das festas e até das expressões do dia a dia fazem parte da experiência de morar fora. Esses sentimentos são naturais, mas podem afetar a saúde emocional se não forem equilibrados com novas conexões e experiências, aumentando a importância de estratégias de autocuidado e suporte emocional.

A saudade pode surgir em detalhes inesperados: um cheiro, uma música, um prato de comida. Às vezes, parece que carregamos uma mochila com um peso extra, que em alguns momentos fica mais leve, mas nunca desaparece completamente.

Mas essa saudade também pode ajudar a criar laços. Muitos brasileiros recriam os sabores do Brasil em encontros com amigos, compartilhando um pouco da sua cultura. Esses momentos ajudam a manter a identidade e ao mesmo tempo se integrar ao novo lugar.

A solidão também pode ser uma realidade para quem está fora. O desafio é equilibrar a conexão com as raízes e a aceitação da nova vida, sem ficar preso ao passado ou isolado no presente.

Apesar da necessidade de adaptação poder incluir uma sensação de perda em relação ao que foi deixado para trás, isso não implica necessariamente em mal-estar psicológico, o bem-estar depende do equilíbrio entre perdas e ganhos, isolamento e integração.

Adaptação cultural: expectativas e realidades

Aprender a viver em outro país é como aprender a nadar em um mar desconhecido. No início, é fácil sentir que está se afogando, tentando entender regras sociais, expressões e formas de se comunicar. Com o tempo, o processo se torna mais natural, mas exige paciência e flexibilidade.

Um exemplo que parece simples, mas que faz diferença: no Brasil, é comum cumprimentar com abraços; em alguns países, isso pode ser visto como invasivo. Pequenas diferenças como essa podem gerar estranheza e até desconforto.

Além disso, o dia a dia também traz desafios: entender burocracias, adaptar-se ao ambiente de trabalho e lidar com diferentes expectativas culturais. A adaptação não é só sobre aprender regras novas, mas também sobre encontrar um equilíbrio entre quem você era no Brasil e quem você está se tornando no novo país.

Também exige um ajuste entre as expectativas criadas sobre a mudança e a realidade que se apresenta.

A Psicoterapia como apoio na adaptação

Navegar por todas essas mudanças pode ser cansativo. A psicoterapia pode ser um apoio importante, ajudando a entender as emoções e a lidar com os desafios da adaptação. Ter um espaço para falar sobre as dificuldades e encontrar estratégias para enfrentá-las faz toda a diferença.

Resumindo, morar fora tem seus altos e baixos. Pode ser um caminho de crescimento, autoconhecimento e reinvenção, mas também é desafiador. Se você é um brasileiro morando no exterior, saiba que é possível criar uma vida significativa onde quer que você esteja. E se precisar de apoio nesse processo, a psicoterapia pode ser uma grande aliada.

A busca infinita por qualificações: você realmente precisa de mais um curso?

qualificações

Se você chegou até aqui atraído pelo título, talvez já tenha caído na armadilha da busca incessante por qualificações para se sentir um bom profissional. Pegue um café e vamos refletir sobre por que essa corrida pode não ser tão positiva quanto parece.

O peso do marketing na pressão por qualificações

Nos últimos tempos, vejo muitos colegas da área da psicologia se dedicando incansavelmente a cursos, certificações e novas formações. A crescente oferta de cursos online tem impulsionado isso, com estratégias de marketing que apelam para o medo:

  • “Se você não fizer este curso, estará prejudicando seus clientes.”
  • “Sem essa técnica, você não será um profissional competente.”
  • “Esse é o único método validado e eficiente.”

Esse tipo de abordagem pode nos fazer tomar decisões sem realmente refletir se aquela formação é necessária para nossa prática ou se está apenas alimentando uma insegurança pessoal.

Você está aprendendo ou fugindo da insegurança?

Atualizar-se é essencial, mas será que essa busca constante por mais cursos e certificações é sempre sobre aprimoramento profissional? Ou pode ser uma forma de esquivar-se de um medo mais profundo: o de se sentir insuficiente?

Muitos profissionais temem ser medianos ou não estarem à altura dos colegas. E, para evitar essa sensação desconfortável, buscam incessantemente por mais formação, acreditando que um novo certificado trará a segurança tão desejada.

Quando as qualificações não fazem sentido

Vou dar um exemplo pessoal: vejo colegas ingressando no doutorado e isso me faz pensar se deveria seguir o mesmo caminho. Parece um passo “natural” após o mestrado. Mas, no meu caso, trabalho exclusivamente na clínica e não tenho intenção de mudar de área. Então, qual seria o verdadeiro motivo para investir anos em um doutorado?

Fazer um doutorado exige um alto custo de tempo, dinheiro e energia. Se minha motivação fosse apenas acompanhar os outros ou evitar a sensação de estar “ficando para trás”, isso faria sentido? Provavelmente não.

Reflita: qual é a sua verdadeira motivação?

Se você sente essa pressão para se qualificar constantemente, pare e reflita:

  • Estou fazendo isso por um desejo genuíno de aprimoramento ou por medo de ser visto como insuficiente?
  • Esse curso, formação ou certificação realmente contribuirá para minha prática profissional? De qual forma contribuirá?
  • Meu investimento (tempo, dinheiro, energia) está alinhado com meus valores e objetivos?

O autoconhecimento é essencial para tomar decisões mais conscientes sobre sua carreira. Construir uma vida profissional significativa não depende apenas de acumular certificados, mas de desenvolver uma atuação autêntica e coerente com o que você realmente deseja. A psicoterapia pode ser um caminho para isso.

E você, como tem lidado com essa busca por qualificações?

Os Três Níveis de Seleção

Você sabia que três níveis de seleção influenciam o comportamento humano?

Ao longo da minha experiência clínica, muitas pessoas me procuraram na psicoterapia esperando que eu abordasse todas as questões que trazem sofrimento exclusivamente no nível individual, como se vivêssemos desconectados da cultura em que estamos inseridos e da nossa história como espécie. Há um sentimento generalizado de que estamos sozinhos em nossas vivências, acreditando que nossos sentimentos, pensamentos e ações não fazem sentido para mais ninguém, e que somos os únicos responsáveis por todas as nossas dificuldades. No entanto, as coisas não são bem assim. Por isso, vamos explorar mais sobre filogênese, ontogênese e cultura, e entender como esses três níveis de seleção impactam nosso comportamento.

Filogênese: A Evolução das Espécies

A filogênese refere-se à evolução das espécies ao longo do tempo. Comportamentos são selecionados ao longo de gerações por suas vantagens adaptativas, ou seja, aqueles comportamentos que aumentam as chances de sobrevivência e reprodução são mais prováveis de serem passados para as próximas gerações.

Por exemplo: Você já percebeu como certos medos, como medo de altura, são comuns? Ter medo de locais altos pode ser uma herança evolutiva que ajudou nossos ancestrais a evitar perigos. Ou ainda, você já notou como a tendência a formar laços sociais e viver em grupos é comum entre os seres humanos? Isso pode ser uma herança evolutiva que ajudou nossos ancestrais a sobreviver. Viver em grupos proporcionava proteção contra predadores, maior eficiência na obtenção de alimentos e apoio na criação dos filhos.

Tem um vídeo muito legal no canal do Youtube “Kurzgesagt” que explica a relação da solidão com essa parte evolutiva, recomendo! Clique aqui, caso queira ver.

Agora, para você refletir:

Quais comportamentos, medos ou outras emoções que você tem poderiam ter sido úteis para a sobrevivência da nossa espécie?

Ontogênese: Desenvolvimento ao Longo da Vida

Já a ontogênese refere-se ao desenvolvimento do indivíduo ao longo de sua vida. As experiências e interações com o ambiente impactam os comportamentos. Reforços e punições que ocorrem durante a vida de uma pessoa desempenham um papel crucial na formação dos seus comportamentos.

Por exemplo: Você já percebeu como certas atitudes ou hábitos se formaram com base nas suas experiências de vida, como gostar de leitura porque seus pais liam para você quando era criança? Ou ainda, você já percebeu como o medo de falar em público pode se desenvolver ao longo da vida? Uma pessoa pode ter passado por experiências negativas, como quando outras pessoas a ridicularizaram ou criticaram ao tentar falar em público durante a infância ou adolescência. Essas experiências podem contribuir para o desenvolvimento do comportamento, por exemplo, de evitar situações em que precise falar em público no futuro.

Para refletir:

Quais comportamentos seus foram claramente influenciados pelas experiências e interações que você teve ao longo da vida?

Cultura: Aprendizado Social

Por fim, a cultura refere-se aos comportamentos que os indivíduos aprendem e transmitem socialmente dentro de um grupo. Normas, valores, práticas e tradições culturais passam de geração em geração e influenciam como as pessoas se comportam dentro de uma sociedade. Esse nível de seleção tem um papel muito importante em várias demandas que chegam na psicoterapia.

Por exemplo: Você já notou como certas tradições ou maneiras de se comportar são diferentes em várias partes do mundo, como o jeito de cumprimentar as pessoas ou celebrar feriados? Ou ainda, você já percebeu como diferentes culturas têm maneiras distintas de viver o luto? Em algumas culturas, as pessoas expressam o luto de forma aberta e pública, com cerimônias e rituais prolongados. Em outras, o luto é uma experiência mais privada e silenciosa, sem grandes demonstrações públicas de emoção.

Para refletir:

Quais comportamentos ou tradições você segue que são claramente influenciados pela sua cultura?

A Interação dos Três Níveis de Seleção

Esses três níveis de seleção – filogênese, ontogênese e cultura – interagem continuamente, impactando o comportamento humano de maneiras complexas. Entender essa interação é essencial para compreender como e por que nos comportamos de determinadas maneiras.

Por exemplo: Imagine uma pessoa que deseja muito ter amigos, mas enfrenta dificuldades em formar e manter amizades. Vamos analisar isso através dos três níveis de seleção.

  1. Filogênese: Em termos evolutivos, os seres humanos são naturalmente predispostos a formar laços sociais, pois a cooperação e as relações sociais aumentaram as chances de sobrevivência dos nossos ancestrais. No entanto, algumas características herdadas, como uma maior sensibilidade ao estresse social ou uma tendência à ansiedade, podem dificultar a interação social em alguns indivíduos.
  2. Ontogênese: A história de vida dessa pessoa também desempenha um papel crucial. Se ela teve experiências negativas no passado, como rejeições, bullying ou relações interpessoais conflituosas, pode ter desenvolvido um medo de se aproximar dos outros. Essas experiências podem ter contribuído para o desenvolvimento de comportamentos de evitação social e desconfiança.
  3. Cultura: A cultura em que essa pessoa está inserida também influencia suas habilidades e expectativas sociais. Em algumas culturas, há normas e regras sociais muito específicas sobre como se comportar em grupo e iniciar amizades. Se a pessoa não aprendeu ou não se adaptou bem a essas normas culturais, pode ter mais dificuldade em se relacionar. Além disso, valores culturais que enfatizam a independência excessiva ou a competição podem desincentivar a formação de laços mais próximos.

Para refletir:

Pense em suas próprias dificuldades. Você conseguiria identificar como sua biologia, experiências pessoais e contexto cultural contribuem para essas dificuldades? Como esses três níveis interagem e influenciam seu comportamento?

Finalizando…

Por isso, buscar entender nossas questões na psicoterapia apenas a partir da nossa história de vida individual é insuficiente e reducionista, e pode, às vezes, trazer mais sofrimento. Precisamos ampliar nossa perspectiva de análise e incluir essas outras variáveis, como os níveis de seleção, para obter uma compreensão mais completa e eficaz do nosso comportamento.

E você, já refletiu sobre como uma única ação pode ser influenciada pela sua biologia, suas experiências pessoais e suas tradições culturais? Compartilhe suas ideias nos comentários!

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