Skip to main content

Suspeita que é autista? Veja o que fazer

Durante a psicoterapia — ou mesmo ao consumir conteúdos nas redes sociais e conversar com outras pessoas — pode surgir uma percepção nova: algumas características pessoais podem estar associadas ao Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Essa descoberta é significativa e pode levantar dúvidas importantes: como seguir no processo de avaliação? Para aprofundar essa conversa comigo, convidei a neuropsicóloga Juliana Garcia para trazer algumas orientações.

  1. O diagnóstico de TEA: qual profissional buscar

O primeiro passo para investigar uma possível hipótese de TEA é entender qual profissional pode te ajudar nesse processo. Existem diferentes caminhos para iniciar essa avaliação — e todos podem ser válidos como um primeiro movimento nessa direção. O importante é dar o primeiro passo com quem tenha experiência e sensibilidade para te acolher nesse processo.

Você pode iniciar um processo avaliativo buscando, por exemplo, uma profissional da psicologia, neurologia e/ou psiquiatria. No caso de adultos, é comum que o diagnóstico envolva o consenso entre um psicoterapeuta, um neuropsicólogo e um médico (psiquiatra ou neurologista). Essa abordagem integrada amplia a precisão do diagnóstico e reduz o risco de erros ou equívocos.

Porém, você não precisa buscar todos os profissionais de uma vez. O importante é escolher um para dar o primeiro passo. Conforme a avaliação avança, vocês poderão, juntos, decidir se será necessário envolver outros especialistas para aprofundar o diagnóstico.

É válido citar que o diagnóstico de TEA é construído a partir da análise da história de desenvolvimento da pessoa e de características de seu funcionamento atual, seguindo os critérios dos manuais diagnósticos. Por isso, é muito importante que o diagnóstico seja realizado por profissionais especializados.

  1. Escolha profissionais especializados no espectro

Seja para avaliação ou acompanhamento, é essencial buscar profissionais com experiência real e consistente com o TEA. Como já citado, pode ser uma psicóloga, neuropsicóloga, psiquiatra e/ou neurologista.

Algumas dicas para escolher:

  • Pesquise a formação acadêmica e profissional da pessoa.
  • Analise se ela publica ou estuda regularmente sobre autismo.
  • Observe se o profissional demonstra sensibilidade às diferentes manifestações do espectro, especialmente em adultos.

A qualidade da avaliação depende muito do conhecimento e da atualização do profissional.

  1. Entenda que a visão sobre o autismo mudou

O conhecimento sobre o TEA evoluiu significativamente nos últimos anos. Hoje sabemos que o espectro é muito mais amplo e plural do que os antigos modelos, que eram, em geral, baseados em perfis masculinos.

Essa nova perspectiva tem permitido que mais adultos — especialmente mulheres e pessoas racializadas — encontrem sentido para experiências de vida que antes eram desvalorizadas ou até patologizadas de forma equivocada.

  1. Não existe um “jeito certo” de ser autista

O TEA é, por natureza, diverso e multifacetado. Reconhecer-se no espectro não significa encaixar-se em uma definição rígida.

Na prática, pode ser um caminho de compreensão de nuances internas que talvez nunca tenham tido nome — mas que sempre estiveram presentes.

Aceitar essa pluralidade é essencial para um processo de avaliação e autoconhecimento mais gentil e assertivo.

Resumo rápido: o que fazer se você se reconhece no espectro autista?

  • Procure uma avaliação multiprofissional.
  • Escolha profissionais especializados no TEA.
  • Atualize seus conhecimentos sobre o espectro.
  • Lembre-se: não existe um “jeito certo” de ser autista.

Reconhecer-se no espectro pode ser um processo cheio de descobertas, dúvidas e, muitas vezes, de alívio. Independentemente do ponto em que você esteja nessa jornada, é importante lembrar: seu jeito de ser merece ser compreendido e respeitado.

Se você sente que é hora de investigar com mais profundidade ou buscar apoio especializado, saiba que existem profissionais preparados para caminhar ao seu lado. E se quiser continuar aprendendo mais sobre o TEA na vida adulta, acompanhe os conteúdos aqui no blog — estou por aqui para te ajudar nessa caminhada.

De repente, nas profundezas do bosque: uma perspectiva ACT

Quem gosta de ler talvez conheça bem esse fenômeno: livros que aparecem “do nada”. Estavam esquecidos numa estante, vieram de presente, foram comprados por impulso e nunca lidos… até que, um dia, nos chamam. Foi assim que De repente, nas profundezas do bosque, de Amos Oz, surgiu para mim.

Eu não sabia exatamente sobre o que era a história. Comecei a leitura movida por curiosidade — e terminei envolvida por reflexões profundas. O livro fala sobre um vilarejo onde todos os animais desapareceram misteriosamente. As crianças crescem sem conhecer o som de um cachorro ou a presença de um pássaro. Mas a questão mais inquietante é o silêncio coletivo, o tabu, a recusa em falar sobre o que aconteceu.

É como se ninguém mais lembrasse, como se aquilo nunca tivesse acontecido. Mas o silêncio é incômodo. Há uma ausência, um vazio que atravessa o cotidiano das pessoas — mesmo quando elas tentam fingir que está tudo bem. Elas não falam, não explicam, mas sentem falta. E, aos poucos, isso transborda.

E, como psicóloga, não consegui deixar de pensar no quanto isso se conecta à nossa vivência emocional — especialmente quando falamos sobre compaixão, evitação, aceitação e discriminação do diferente.

Exclusão, silêncio e o “diferente”

“De tanta solidão, Neman aprendeu a falar com os animais nos seus idiomas. Passados alguns anos, quando toda a aldeia começou a considerá-lo doente do relincho e a se afastar dele e a atirar nele pedaços de telhas e pedras, ele encontrou uma caverna nas montanhas e passou a viver sozinho, se nutrindo de cogumelos e frutos do bosque”. (Amos Oz)

No livro de Amos Oz, há uma crítica social potente: o medo do diferente, o silenciamento das experiências e a exclusão de quem não se encaixa nas normas coletiva.

Certos personagens são vistos como ameaça — não porque sejam perigosos de fato, mas porque carregam lembranças, questionamentos ou formas de viver que confrontam a narrativa oficial da comunidade. São tratados com desconfiança, rejeitados ou até hostilizados por manter viva uma memória que o grupo prefere esquecer.

Esse processo de marginalização lembra muitos contextos em que pessoas com vivências diversas são invisibilizadas ou rejeitadas. Mesmo o custo disso sendo alto: desumanização, solidão, repetição da dor e reforço de sistemas opressores.

A esquiva experiencial

Uma vez, à tardinha, cheio de coragem, Mati perguntou ao pai por que as criaturas tinham desaparecido da aldeia. O pai não se apressou em responder. […] disse isso: Veja. Mati. É assim. Certa vez aconteceram aqui coisas de todo tipo. Coisas das quais não podemos nos orgulhar. Mas nem todos são culpados. É claro que não somos todos culpados na mesma medida. Fora isso, quem é você para nos julgar? Você ainda é pequeno. Não julgue. Você não tem nenhum direito de julgar os adultos. E, afinal, quem exatamente contou a você que um dia existiram animais aqui? Pode ser que sim, quem sabe. E pode ser que nunca tenham existido. Pois já passou muito tempo. Esquecemos, Mati. Esquecemos e pronto. Deixa pra lá. Quem ainda tem força para lembrar?” (Amos Oz)

Uma das primeiras coisas que eu associei ao ler o livro, além da discriminação, foi o conceito de esquiva experiencial da ACT. Chamamos de esquiva experiencial a tendência que temos de tentar controlar, suprimir ou afastar pensamentos, sentimentos e memórias dolorosas. É como se, ao não falar sobre algo, ao não pensar ou sentir, isso simplesmente deixasse de existir. Mas, na prática, o que costuma acontecer é justamente o contrário: o que tentamos evitar com tanta força acaba encontrando outras formas de se manifestar, aumentando o sofrimento e a dor.

O livro ilustra bem essa tentativa das personagens de fingir que algo não existiu — e o custo que isso tem. O sofrimento negado não desaparece. Ele só muda de forma. E, quanto mais tentamos silenciar, mais ele pulsa. Não falar sobre os animais para as crianças, não fez com que esquecessem do tempo em que ouviam o canto dos pássaros ou o latido dos cachorros.

Na ACT, o convite é diferente: não é sobre apagar o passado ou evitar o que sentimos, mas sim sobre desenvolver uma nova relação com nossas experiências. Uma relação mais aberta, curiosa e gentil. Ao invés de fugir, acolher. Ao invés de lutar contra o que sentimos, seguir em direção ao que realmente importa — mesmo quando sentimentos, pensamentos e sensações desconfortáveis caminham ao nosso lado.

Essa também é uma forma de autocompaixão: reconhecer que o desconforto é parte da experiência humana, que não estamos sozinhas.

De repente, nas profundezas do bosque me trouxe essa lembrança. Às vezes, o que a gente tenta esquecer é justamente aquilo que precisa ser escutado com mais cuidado.

Humanidade compartilhada: você não está sozinha

Todos nós sem exceção nos assustamos às vezes e até mesmo ficamos apavorados, e às vezes todos ficamos cansados, ou com fome, e cada um de nós gosta de certas coisas e detesta outras, que nos inspiram temor ou aversão. Além disso, todos nós sem exceção somos sensíveis ao extremo. […] e todos nós dormimos e acordamos e de novo dormimos e acordamos, todos nós nos empenhamos muito para que fique tudo bem para nós, não muito quente nem frio, todos nós tentamos a maior parte do tempo nos preservar e nos guardar de tudo o que corta, morde e fura. Pois cada um de nós pode ser amassado com facilidade. […] todos nós nos esforçamos a maior parte do tempo em tomar o máximo cuidado possível contra a dor e o perigo, e apesar disso nós nos arriscamos muito sempre que saímos […].” (Amos Oz)

Um dos pilares da autocompaixão, segundo Kristin Neff (2003), é o conceito de humanidade compartilhada: a ideia de que todos nós erramos, sofremos e enfrentamos dificuldades. Ou seja, sofrer não é um defeito pessoal. É uma parte essencial da condição humana.

Quando esquecemos disso, caímos facilmente em isolamento emocional — aquela sensação de “só eu passo por isso”, “tem algo de errado comigo”, “ninguém entenderia”. Esse isolamento, muito presente em experiências de sofrimento mental, acaba por aumentar ainda mais o peso da dor.

Assim como na história do vilarejo, nossas dores também são coletivas, e reconhecer essa interdependência pode aliviar a autocrítica e restaurar um senso de pertencimento.

Como se reconectar com a humanidade compartilhada?

Se você já se sentiu sozinha na sua dor, aqui vão alguns lembretes e sugestões práticas:

🔸 Reconheça que você não é a única. Mesmo que sua dor seja única na forma, ela é universal no conteúdo. Todo ser humano sofre.

🔸 Questione as histórias que sua mente conta e as histórias que já contaram sobre você. Você não é o que pensa. Seus pensamentos não definem seu valor.

🔸 Busque conexões genuínas. Conversar com alguém de confiança, participar de grupos de apoio ou ler histórias reais pode ajudar a dissolver o isolamento emocional.

🔸 Pratique a desfusão. Uma ferramenta da ACT para ajudar a observar os pensamentos sem se fundir a eles. Exemplo: em vez de dizer “sou fraca”, diga “estou tendo o pensamento de que sou fraca”. Isso muda tudo.

Conclusão: entre o silêncio e o vínculo

De repente, nas profundezas do bosque fala sobre ausência, silêncio e medo do diferente. Mas também fala sobre coragem, escuta e a busca por sentido. É uma história que nos lembra da importância de olhar para o que foi calado — dentro de nós e nas relações.

Na vida real, a escolha entre silenciar a dor ou falar sobre ela também está nas nossas mãos. E talvez, ao compartilhar, ao acolher, ao lembrar que não estamos sozinhas, a gente encontre algo que o livro também sugere: a possibilidade de um novo começo. Caso precise de ajuda nesse processo, entre em contato, será um prazer te acompanhar!

Se esse texto fez sentido para você, compartilhe com alguém que também pode se interessar por esse conteúdo. E me conta: qual foi o último livro que te trouxe uma reflexão inesperada?

Referências:

Amós Oz (2007). De repente, nas profundezas do bosque. Editora: ‎Seguinte (1ª ed.)

Harris, R. (2009). ACT made simple: An easy-to-read primer on acceptance and commitment therapy. New Harbinger Publications.

Hayes, S. C., Strosahl, K. D., & Wilson, K. G. (1999). Acceptance and commitment therapy: An experiential approach to behavior change. The Guilford Press.

Luoma, J. B., Hayes, S. C., & Walser, R. D. (2012). Learning ACT: An acceptance & commitment therapy skills training manual for therapists (2ª ed.). Context Press/New Harbinger Publications.

Neff , K., & Germer, C. (2019). Manual de Mindfulness e Autocompaixão. Artmed (1ª ed.).

Você é a tapeçaria ou o observador? Uma perspectiva da ACT

Neste texto, vamos explorar o conto A Caçada, de Lygia Fagundes Telles, sob a perspectiva da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) e entender como os conceitos de self e desfusão podem nos ajudar a não sermos engolidos pelas narrativas que criamos sobre nós mesmos.

A história do Caçador

No conto A Caçada somos apresentados a um personagem intrigante: o Caçador. Ele descobre uma antiga tapeçaria que retrata uma cena de caça e, pouco a pouco, se sente cada vez mais fascinado por ela. Até que, de maneira inquietante, é absorvido pela imagem — desaparecendo completamente.

O que isso tem a ver com nossa vida? Mais do que parece.

Quando nos perdemos na nossa própria tapeçaria

Quantas vezes você já sentiu que estava preso em uma história sobre si mesmo? Talvez um pensamento de que você sempre falha, que nunca será bom o suficiente ou que seu passado define seu futuro. Essas histórias, quando aceitas sem questionamento, podem ser tão envolventes quanto a tapeçaria do conto — nos engolindo, nos limitando, nos impedindo de agir.

Na Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), o conceito de fusão refere-se ao estado em que uma pessoa está tão identificada com seus pensamentos que os enxerga como verdades absolutas, regras ou comandos que precisam ser seguidos. Ou ainda, pensamentos sobre o passado ou o futuro podem parecer algo que está acontecendo aqui e agora, ou podem parecer muito importantes e exigir toda a nossa atenção.

Imagine que seus pensamentos são como óculos que você usa o tempo todo, sem perceber que pode tirá-los ou mudá-los. Quando estamos fusionados com nossos pensamentos, não questionamos se eles são úteis, realistas ou compatíveis com nossos valores — simplesmente os tomamos como verdade.

Por exemplo:

Pensamento: “Eu sou um fracasso.”

  • Fusão: A pessoa acredita totalmente nesse pensamento, sente-se desmotivada e evita desafios.
  • Desfusão: A pessoa reconhece que é apenas um pensamento, não um fato absoluto, e escolhe agir de acordo com seus valores.

A ACT propõe exercícios de desfusão para ajudar a criar um distanciamento saudável dos pensamentos, como dar um passo para trás, permitindo que a pessoa tenha mais flexibilidade psicológica e aja de forma mais alinhada com o que realmente importa para ela.

Em vez de ficarmos presos e emaranhados nos nossos pensamentos ou sermos dominados por eles, podemos deixá-los ir e vir como se fossem apenas carros passando na rua. Vemos os pensamentos pelo que são: nada mais nem menos do que palavras ou imagens.

O conceito de self na ACT

Enxugando o suor das mãos, o homem recuou alguns passos. Vinha-lhe agora uma certa paz, agora que sabia ter feito parte da caçada. Mas essa era uma paz sem vida, impregnada dos mesmos coágulos traiçoeiros da folhagem. Cerrou os olhos. E se tivesse sido o pintor que fez o quadro? Quase todas as antigas tapeçarias eram reproduções de quadros, pois não eram? Pintara o quadro original e por isso podia reproduzir, de olhos fechados, toda a cena nas suas minúcias: o contorno das árvores, o céu sombrio, o caçador de barba esgrouvinhada, só músculos e nervos apontando para a touceira… “Mas se detesto caçadas! Por que tenho que estar aí dentro?“” (A caçada, Lygia Fagundes Telles)

Além dessa conversa sobre fusão e desfusão, também podemos fazer um paralelo entre o conto e o conceito de self na ACT. Essa abordagem considera diferentes maneiras de nos relacionarmos com quem somos:

1. Self Conceitual (Self-Como-Conteúdo)

De uma forma bem resumida, seria quando nos identificamos rigidamente com pensamentos, rótulos e histórias sobre nós mesmos.

Refere-se a todos os pensamentos, ideias, imagens, julgamentos e memórias que formam o nosso autoconceito, a nossa autodescrição. É a história complexa e multifacetada que contamos sobre quem somos, incluindo fatos objetivos (como nome, idade, etc.) e avaliações sobre os nossos papéis, relacionamentos, forças, fraquezas, gostos, desgostos, esperanças e sonhos.

Imagine uma pessoa chamada Ana. Ela tem 30 anos, trabalha como engenheira e se vê como alguém que sempre foi apaixonada por matemática desde a infância. Ana também se define como uma pessoa introvertida, que prefere atividades solitárias como ler e pintar. Ela se considera uma pessoa determinada, mas tende a se criticar por não ser sociável o suficiente.

Ana pensa sobre si mesma da seguinte forma:
“Eu sou engenheira, sou introvertida, não sou boa com pessoas, sempre fui assim. Gosto de ficar sozinha, é quem eu sou. Não adianta tentar mudar.”

Neste exemplo, o autoconceito de Ana inclui aspectos objetivos, como sua profissão e idade, além de avaliações subjetivas sobre sua personalidade, preferências e autopercepção. Ela está identificada com essa história. Esses pensamentos não são vistos como pensamentos — são tomados como verdades absolutas.

Se Ana começar a se fundir demais com essa história que ela mesma criou sobre si mesma, isso pode limitar sua capacidade de se adaptar a novas situações ou de explorar novos aspectos de sua identidade, o que eventualmente pode causar desconforto emocional ou sofrimento.

Esse tipo de identificação rígida com o autoconceito é o que o conceito de Self Conceitual busca explicar, enfatizando como isso pode afetar nosso bem-estar psicológico quando nos tornamos excessivamente ligados às histórias que contamos sobre nós mesmos.

Se nos fundirmos com esta história, se começarmos a pensar que somos a história, isso pode levar a problemas e sofrimentos.

2. Self Observador (Self-Como-Contexto)

A parte de nós que pode observar nossos pensamentos e experiências sem se fundir a eles.

Refere-se ao processo contínuo de notar pensamentos, sentimentos, a respiração e outras experiências, como eventos passageiros, sem sermos dominados por eles, estando em contato com o momento presente.

É como a perspectiva de alguém que observa a tapeçaria, em vez de se perder dentro dela.

Se voltarmos ao exemplo da Ana. Imagine que Ana está em uma sessão de psicoterapia, praticando atenção plena (mindfulness). Durante um exercício, ela nota o pensamento:
“Eu não sou boa com pessoas.”

Mas agora ela o observa de outro lugar. Em vez de se fundir com esse pensamento, ela o nota com curiosidade e uma certa distância. Algo como:
“Estou tendo o pensamento de que não sou boa com pessoas.”

Ela percebe esse pensamento surgindo, reconhece que ele já apareceu antes, e observa como ele vai embora, como uma nuvem no céu. Ao mesmo tempo, ela nota sua respiração, o som ao redor, e o contato dos pés no chão.

Nesse momento, Ana não está fundida com a história. Ela está no papel de quem observa a tapeçaria — e não presa nos fios dela.

3. Self Como Processo

Nossa capacidade de entrar em contato com o presente e perceber que somos mais do que qualquer pensamento ou história.

É o “Eu” que nota o que quer que esteja a ser notado, é o espaço a partir de onde a observação acontece. Este aspecto de nós é contínuo e estável, mesmo que os nossos pensamentos, sentimentos e corpo mudem.

É como um lugar seguro dentro de nós que está sempre presente, de onde podemos observar o que acontece na mente ou no corpo sem sermos prejudicados. A ACT busca ajudar as pessoas a se conectarem com essa perspectiva de self mais ampla e flexível.

Vamos voltar para o caso da Ana. Durante o processo terapêutico, Ana começa a perceber que nem sempre se sente da mesma forma.

Num dia, ela pensa que é muito reservada e incapaz de se conectar com os outros.
No outro, ela se percebe rindo com colegas no trabalho, trocando ideias com leveza.
Num terceiro dia, ela se vê ansiosa antes de um encontro social, mas ainda assim escolhe ir.

Com o tempo, ela começa a notar que, mesmo com essas mudanças — de sentimentos, pensamentos, comportamentos — há algo nela que permanece presente:
“Existe um espaço em mim que percebe tudo isso acontecendo. E esse espaço não julga. Ele só está ali, notando.”

Ela começa a acessar essa perspectiva mais ampla. Um “eu” que não é definido por um pensamento específico, nem por um rótulo, nem por um humor do dia.

É como se Ana dissesse:
“Eu não sou só a engenheira. Nem só a mulher introvertida. Nem só a que tem medo de rejeição. Eu sou algo maior do que tudo isso. Eu sou esse espaço que nota tudo isso acontecer.”

Retomando, muitas vezes, ficamos fusionados ao self conceitual, formado por todas as histórias que contamos sobre nós mesmos — e nem sempre essas histórias são úteis.

O problema é que, quando nos identificamos rigidamente com esses pensamentos, perdemos de vista algo maior: nossa capacidade de observá-los.

No self como contexto, podemos notar nossos pensamentos sem sermos dominados por eles. Como um observador que enxerga a tapeçaria, sem ser sugado por ela.

Podemos dizer que o Caçador simboliza alguém que não consegue acessar o self como contexto. Ele fica preso em uma experiência interna rígida, sem a capacidade de se desapegar daquilo que o consome. A ACT nos ensina que, quando ficamos fusionados com certas histórias sobre nós mesmos, podemos perder a capacidade de agir com flexibilidade e liberdade — exatamente o que acontece com ele ao ser sugado pela tapeçaria.

Como sair da tapeçaria?

Se você sente que está preso em uma história sobre si mesmo, aqui estão algumas perguntas para ganhar perspectiva:

  • Você sente que já se prendeu a uma história sobre si mesmo de maneira semelhante ao Caçador?
  • Como seria observar essa história em vez de se perder dentro dela?
  • O que mudaria se você pudesse acessar uma perspectiva mais ampla sobre quem você é?

E, como alternativa, algumas estratégias:

1️. Dê um nome para a história.

Em vez de dizer “Sou uma pessoa que sempre falha”, tente “Minha mente está me contando a história da pessoa que sempre falha. ” Isso cria um pequeno distanciamento, permitindo que você escolha se quer ou não acreditar nisso.

2️. Aja de acordo com seus valores, não com suas histórias.

Mesmo que seus pensamentos digam que você não é capaz, pergunte-se: “Que ação eu tomaria se não acreditasse nisso? ” E faça esse pequeno movimento.

3️. Pratique a observação dos seus pensamentos.

Imagine que seus pensamentos são nuvens no céu. Eles aparecem e desaparecem, mas você é o céu — não as nuvens. Quanto mais você pratica essa perspectiva, menos refém fica de narrativas rígidas sobre si mesmo.

Você escolhe onde estar

O Caçador desapareceu porque se perdeu na tapeçaria. Mas você tem uma escolha.

Você pode notar os pensamentos, perceber as histórias e decidir agir de maneira alinhada com quem quer ser. Se precisar de ajuda, entre em contato!

Se esse texto fez sentido para você, compartilhe com alguém que pode se beneficiar dessa reflexão. E me conta aqui nos comentários: você já sentiu que estava preso em na sua própria tapeçaria?

Referências: 

Harris, R. (2009). ACT made simple: An easy-to-read primer on acceptance and commitment therapy. New Harbinger Publications.

Hayes, S. C., Strosahl, K. D., & Wilson, K. G. (1999). Acceptance and commitment therapy: An experiential approach to behavior change. The Guilford Press.

Luoma, J. B., Hayes, S. C., & Walser, R. D. (2012). Learning ACT: An acceptance & commitment therapy skills training manual for therapists (2ª ed.). Context Press/New Harbinger Publications.

Telles, L. F. (1993). Pomba enamorada e outros contos (2ª ed.). São Paulo: Editora Siciliano.

Mestrado acadêmico: será que é para mim?

No texto de hoje, quero compartilhar um pouco sobre minha experiência na pós-graduação e destacar alguns pontos importantes para quem está considerando fazer um mestrado acadêmico.

Fique à vontade para compartilhar nos comentários outras perspectivas e experiências diferentes da minha!

Minha Trajetória

Sou formada pela UNESP de Bauru/SP e, logo após a graduação, ingressei no programa de pós-graduação da mesma universidade. Na época, estava em psicoterapia e lembro que a decisão de fazer o mestrado foi simultaneamente fácil e difícil.

Não pretendo esgotar todos os pontos a serem considerados, mas espero que este texto sirva como um ponto de partida para uma reflexão mais realista sobre essa experiência.

O que você pretende para o seu futuro?

Antes de qualquer coisa, é fundamental refletir sobre seus objetivos profissionais. O que você deseja para sua carreira? Pode parecer uma etapa óbvia, mas muitas vezes a ignoramos ou achamos desnecessária.

Uma atividade simples que pode ajudar é a “linha do tempo”:

  1. Pegue uma folha de papel e escreva seus objetivos a curto, médio e longo prazo (sobre como estabelecer metas realistas, clique aqui).
  2. Reflita sobre quais caminhos ou passos podem te levar até eles – coloque o máximo de detalhes que conseguir.
  3. Analise se o mestrado é realmente um passo necessário ou se existem outras possibilidades.

Pode parecer bobo, mas essa visualização ajuda a esclarecer prioridades e organizar melhor suas decisões.

Como o mestrado pode contribuir com os seus planos?

Se o mestrado fizer sentido para seu planejamento, é importante entender como ele pode agregar. Algumas motivações comuns são:

1. Aprimorar habilidades de pesquisa, caso você acredite que essa competência será essencial para seu futuro.

2. Seguir a carreira acadêmica, tornando-se professor(a) universitário(a) e/ou pesquisador(a).

3. Aprofundar conhecimentos em um tema de interesse, especialmente se ele tiver relação com sua atuação profissional.

O mestrado pode ser enriquecedor, mas é um compromisso grande. Então, vale avaliar se a experiência vai trazer os retornos esperados para seu futuro profissional.

Você já tem uma atividade profissional?

Se já trabalha (ou pretende trabalhar durante o mestrado), é essencial considerar:

  • Você terá tempo para as atividades do mestrado durante o dia? (Não vale contar apenas com madrugadas e finais de semana!)
  • É possível equilibrar estudo, trabalho e vida social ou outras atividades importantes sem sobrecarga extrema?

Durante meu mestrado, vi muitos colegas enfrentando sérios problemas de saúde mental e física pela falta de equilíbrio. Infelizmente, como as bolsas de pesquisa não são acessíveis a todos, além dos valores serem muitas vezes abaixo do que é necessário, muita gente precisa trabalhar para se manter.

Se você não puder dedicar parte do seu dia à pesquisa, avalie se o mestrado é viável nesse momento ou se é possível ajustar sua rotina para que ele caiba de forma saudável.

Se você não pretende trabalhar durante o mestrado, como vai se manter financeiramente?

Se você não pretende trabalhar durante o mestrado, é essencial planejar sua sustentação financeira:

  • Você contará com ajuda da família?
  • Conseguirá uma bolsa de pesquisa? (Lembre-se de que pode demorar para sair!)
  • Tem reservas financeiras para emergências?

Fazer um planejamento financeiro antes de iniciar o mestrado pode evitar muitos problemas e frustrações ao longo do caminho.

Pesquise sobre a universidade e o programa

Antes de prestar o processo seletivo, pesquise bem sobre:

  • Onde fica o campus e quais são as estruturas disponíveis.
  • As linhas de pesquisa do programa e como elas se encaixam nos seus interesses.
  • A grade curricular, os créditos extras e as oportunidades oferecidas pelo programa.

Quanto mais informações você tiver antes de ingressar, melhor será sua adaptação.

Escolha bem seu(sua) orientador(a)

Um dos aspectos mais importantes do mestrado é a orientação. Para evitar problemas futuros, recomendo:

  • Ler os trabalhos do(a) professor(a) para entender se os interesses de pesquisa são compatíveis com os seus – dê uma olhada no Lattes.
  • Conversar com alunos atuais e ex-alunos para entender como é a dinâmica da orientação.
  • Enviar um e-mail ao(à) possível orientador(a) para testar o tempo de resposta (isso será importante depois!).

Nem sempre você pesquisará o que gostaria

Outro ponto relevante é que, muitas vezes, o projeto enviado no processo seletivo não será exatamente o que você desenvolverá. Isso ocorre porque:

  • O orientador pode sugerir mudanças no enfoque da pesquisa.
  • As demandas do programa podem exigir adaptações.
  • As condições práticas de execução podem levar a ajustes.

O importante é estar aberto(a) a essas possibilidades e negociar para que o tema final ainda seja de seu interesse.

Fazer um mestrado pode ser uma experiência incrível para ampliar conhecimentos, desenvolver novas habilidades e construir networking. No entanto, é uma jornada que exige planejamento e reflexão realista sobre os desafios envolvidos.

Se você ainda está em dúvida, reflita sobre os pontos mencionados e converse com pessoas que já passaram por essa experiência. Caso queira um espaço para discutir mais sobre essa decisão, entre em contato! Será um prazer conversar.

Morar fora do país: desafios e experiências

Desafios e Experiências de Brasileiros no Exterior

Morar fora do Brasil pode ser uma experiência cheia de descobertas e desafios. Aqui, estou falando de quem escolheu voluntariamente sair do país, não de migração involuntária, como no caso de refugiados. Para muitos brasileiros, essa decisão envolve uma mistura de entusiasmo e dificuldades, inclusive emocionais. A novidade empolga, mas a adaptação pode ser bem mais complexa do que se imagina. Como psicóloga que atende pessoas que moram em diferentes países, vejo de perto os desafios dessa transição.

A experiência de migração, embora voluntária, é repleta de nuances. Sair do Brasil significa abrir mão de uma série de referências culturais e afetivas: o idioma, os costumes, a forma de se relacionar. Essa mudança pode gerar insegurança, ansiedade e até crises de identidade, dependendo de como cada pessoa lida com essas transformações. Tem momentos de adaptação e também períodos de incerteza emocional, que podem afetar diretamente o bem-estar.

Entre dois mundos: a busca por identidade e pertencimento

Mudar-se para o exterior pode dar a sensação de estar entre dois mundos: de um lado, o Brasil, com sua cultura, comida, idioma e laços sociais; do outro, o novo país, com costumes e regras que nem sempre fazem sentido de imediato. A sensação pode ser parecida com essa: uma busca de tentar encontrar o equilíbrio entre quem você era no Brasil e quem você está se tornando nesse novo contexto.

Assim, muita gente sente que precisa se redescobrir, tanto em termos de sua identidade quanto em termos de senso de pertencimento. Por exemplo, uma pessoa extrovertida e comunicativa no Brasil pode se ver mais retraída ao tentar se expressar em um novo idioma, com medo de errar. Isso pode gerar um sentimento de deslocamento, como se estivesse sempre no meio do caminho entre quem era e quem está se tornando. Neste processo, surgem questões sobre quem somos em um contexto diferente, o que valorizamos e como nos vemos no mundo.

É como se o processo de adaptação fosse dividido em duas fases: primeiro, o choque entre as expectativas e a realidade do novo país; depois, a construção de uma nova rotina e identidade. Essa transição pode ser delicada e exige paciência.

Desafios emocionais: saudade e solidão

Estar longe da família e dos amigos pode ser solitário. Saudade da comida, das festas e até das expressões do dia a dia fazem parte da experiência de morar fora. Esses sentimentos são naturais, mas podem afetar a saúde emocional se não forem equilibrados com novas conexões e experiências, aumentando a importância de estratégias de autocuidado e suporte emocional.

A saudade pode surgir em detalhes inesperados: um cheiro, uma música, um prato de comida. Às vezes, parece que carregamos uma mochila com um peso extra, que em alguns momentos fica mais leve, mas nunca desaparece completamente.

Mas essa saudade também pode ajudar a criar laços. Muitos brasileiros recriam os sabores do Brasil em encontros com amigos, compartilhando um pouco da sua cultura. Esses momentos ajudam a manter a identidade e ao mesmo tempo se integrar ao novo lugar.

A solidão também pode ser uma realidade para quem está fora. O desafio é equilibrar a conexão com as raízes e a aceitação da nova vida, sem ficar preso ao passado ou isolado no presente.

Apesar da necessidade de adaptação poder incluir uma sensação de perda em relação ao que foi deixado para trás, isso não implica necessariamente em mal-estar psicológico, o bem-estar depende do equilíbrio entre perdas e ganhos, isolamento e integração.

Adaptação cultural: expectativas e realidades

Aprender a viver em outro país é como aprender a nadar em um mar desconhecido. No início, é fácil sentir que está se afogando, tentando entender regras sociais, expressões e formas de se comunicar. Com o tempo, o processo se torna mais natural, mas exige paciência e flexibilidade.

Um exemplo que parece simples, mas que faz diferença: no Brasil, é comum cumprimentar com abraços; em alguns países, isso pode ser visto como invasivo. Pequenas diferenças como essa podem gerar estranheza e até desconforto.

Além disso, o dia a dia também traz desafios: entender burocracias, adaptar-se ao ambiente de trabalho e lidar com diferentes expectativas culturais. A adaptação não é só sobre aprender regras novas, mas também sobre encontrar um equilíbrio entre quem você era no Brasil e quem você está se tornando no novo país.

Também exige um ajuste entre as expectativas criadas sobre a mudança e a realidade que se apresenta.

A Psicoterapia como apoio na adaptação

Navegar por todas essas mudanças pode ser cansativo. A psicoterapia pode ser um apoio importante, ajudando a entender as emoções e a lidar com os desafios da adaptação. Ter um espaço para falar sobre as dificuldades e encontrar estratégias para enfrentá-las faz toda a diferença.

Resumindo, morar fora tem seus altos e baixos. Pode ser um caminho de crescimento, autoconhecimento e reinvenção, mas também é desafiador. Se você é um brasileiro morando no exterior, saiba que é possível criar uma vida significativa onde quer que você esteja. E se precisar de apoio nesse processo, a psicoterapia pode ser uma grande aliada.